Eu conto, você conta

Rafaela Cordeiro
2 min readJan 23, 2023

Sentir demais é a coisa mais louca do mundo. Você observa o mundo, as interações com as pessoas, as cores, os sons, e então sente. Ou não, mas eu considero a indiferença uma espécie de sentimento também.

Me recordo de, quando mais nova, encontrar uma explicação perfeita para isso: o estranhamento diante da vida. Isso saiu da cabeça de algum filósofo grego cuja existência é duvidosa, mas fez sentido — e ainda faz. Só não se emociona com a vida quem ainda não compreendeu o quanto a existência é absurdamente linda e dolorosa.

Parte do problema da sociedade pós-moderna é que estamos nos esquecendo de que sentir é um exercício. Se Descartes estava certo em algo para além do óbvio — afinal, ele acertou em muita coisa — , é na noção de que para existir, é necessário pensar. Veja um bebê, por exemplo: o pensamento precede a construção de estruturas linguísticas básicas. Um bebê consegue se expressar, ainda que de maneira pouco refinada, diante de seus desejos, dores, sentimentos, e provavelmente isso é mais do que eu posso dizer de mim mesma.

É que sentir, ainda que algo positivo, dói. Não cabe no peito. O mundo expande, e aperta. Sufoca, depois relaxa. Parece prestes a explodir, e então tudo se acalma. É como sair correndo e encontrar um dente-de-leão pelo caminho; existe outra opção além de parar, fazer um pedido e assoprá-lo?

De vez em quando, deitada na minha cama, com a janela aberta e a cortina balançando, eu consigo ver as partículas de poeira flutuando através da luz do sol. Me concentro nos objetos à minha volta e sinto as pecinhas da minha vida se juntando. Cada gargalhada quando criança, cada livro lido — e foram muitos — , cada beijo e relacionamento não tão bem sucedido, cada partida de alguém amado. E dói. Dói pensar.

Quando eu parar de sentir, eu vou estar morta. Ou em coma, mas há controvérsias sobre isso. Talvez seja uma forma otária de existir, essa minha. Mas eu não consigo defender outro jeito de passar por esse mundo. É como estar apaixonado pela pessoa errada; você sabe que vai doer, mas também sabe que vai valer a pena. Sempre vale. Não existe “dar errado” quando se trata de relacionamentos, pois todos os fins são também uma forma esquisita de fazer com que eles deem certo. Na vida, é a mesma coisa. Não existe nenhuma maneira de fazê-la dar errado.

Que os cientistas me perdoem, mas a teoria da evolução explica pouco ou quase nada. Viver está além de qualquer métrica. Por isso, não é só normal, mas necessário, sentir alguma coisa. Nem que seja dor.

Eu gostaria que alguém tivesse me contado isso mais cedo.

Oleo de un paisaje de flores amarillas, Rubén de Luis

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